Presença do Cancro Cítrico em São Paulo completa 65 anos
Postado em 30/11/2022 às 15h20 | Por Assessoria de Comunicação CDASaiba mais um pouco sobre as ações realizadas para contenção da doença
Na edição do informativo 008, de março de 2022, foi observado que o citros, por força do Decreto Estadual nº 45.405, de 16/11/2000 é de interesse peculiar do Estado, o que não gera surpresas diante da geração de emprego e renda que a cultura proporciona. Contudo, por outro lado, demonstra o risco sanitário agregado, pois é sujeita às aplicações das medidas de defesa sanitária vegetal estabelecidas pelo Decreto Estadual nº 45.211, de 19/09/2000.
Esta norma constitui-se no pontapé inicial para uma série de regulamentações sanitárias futuras ou o lastro estadual maior para direcionamentos já existentes.
Na edição 010 do informativo, a qual foi publicada em maio de 2022, é conceituada uma praga quarentenária presente (PQP), como aquela que tem sua presença detectada no país, porém não está amplamente disseminada. Na ocasião foi citado o exemplo da praga Xanthomonas citri subsp citri, causadora da doença cancro cítrico.
O cancro cítrico surgiu no Estado de São Paulo em 1957, na região de Presidente Prudente e pode ser chamada por "avó" das 13 (treze) PQP de ocorrência no Brasil, obviamente a com mais tempo de ocorrência, das 5 (cinco) que ocorrem no Estado de São Paulo.
Esta doença a depender do seu grau de severidade causa desfolha e queda prematura de frutos. As lesões corticosas depreciam os frutos para comércio in natura local, não permite o trânsito interestadual e internacional da carga, restando como alternativa de destino sua desvitalização ou moagem em indústrias de sucos.
Entretanto apesar dos 65 anos do primeiro registro, não é fácil encontrar citações antigas da doença em literatura técnica em função que, durante décadas, não era considerada problema sanitário relevante para a cultura, tanto que o Boletim Técnico 165, de junho de 1989, publicado pelo Departamento de Extensão Rural da CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) e intitulado “Citros: Recomendações para o controle das principais pragas e Doenças em Pomares do Estado de São Paulo 1988/89” nem citava a doença, o que não quer dizer que sua presença em terras Paulistas era desejada.
No prefácio do livro “Cancro Cítrico, a doença e seu controle”, o professor da ESALQ, Armando Bergamin Filho, cita que os métodos de erradicação ao longo das décadas variaram desde a interdição de municípios e a destruição de todas as plantas cítricas destes, até aplicação de raios de destruição de diferentes comprimentos (12, 1000, 50 e 30 metros) considerando plantas sintomáticas e assintomáticas (suspeitas).
No final dos anos 90 o raio de 30 metros como critério de controle manteve a doença em níveis mínimos, mas o final do século passado trouxe um divisor de águas na história desta doença. O aparecimento do minador do citros, Phyllocnistis citrella, inseto constatado na Florida em 1993, já levantava temor por sua introdução no país, o que acabou ocorrendo na região de Campinas em março de 1996, entrando para o rol de pragas chaves da citricultura tanto pelo dano direto em brotações novas, como pelo indireto, sendo uma facilitadora da infecção da bactéria X. citri subsp citri.
O que se viu nos anos seguintes foi uma corrida da pesquisa agronômica para formatar o manejo integrado desta praga e, as explosões dos casos de cancro cítrico demandaram mudanças nas regras do programa oficial de controle.
Surgia então a erradicação total de talhão, cuja incidência de plantas sintomáticas fosse superior a 0,5%. Se o índice fosse menor continuava a valer a regra dos 30 metros. Os índices no Estado (que adotou base legal mais restritiva que a Federal) regrediram para patamares mínimos, porém havia um custo econômico alto, tanto para produtores que não eram indenizados quando tinham suas plantas erradicadas e tanto para Estado, União e Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura), que mantinha convênio no âmbito da Campanha Nacional de Erradicação do Cancro Cítrico (CANECC).
Estes agentes arcavam com os custos operacionais e legais da erradicação, interdição e inspeções das propriedades que ficavam interditadas por 2 (dois) anos. Foi um momento ímpar na citricultura mundial, nunca se concentrou tantos esforços no controle de uma doença. Na edição da Revista da Fundecitrus de abril/maio de 1999, o então presidente do Fundação citava a maior ação de campo da história da citricultura brasileira para identificar e erradicar árvores de citros contaminadas pelo cancro.
Afirmou que seria o maior esforço jamais visto no mundo por um setor econômico, contra uma doença agrícola, especialmente em regime de parcerias entre o poder público e o setor privado. Neste momento eram mais de 4000 (quatro mil) pessoas contratadas e quase 300 (trezentos) veículos em campo, além dos funcionários da CDA (Coordenadoria de Defesa Agropecuária) que se encarregavam das coletas oficiais, envios das amostras para laboratório e lavraturas de documentos.
No ano de 2004 com a introdução no Brasil, em São Paulo de mais uma praga bacteriana, Candidatus Liberibacter spp., causadora do Huanglongbing - HLB, "greening" dos citros, cujo controle também se baseava na erradicação das plantas, os entes públicos e privados tiveram que dividir seus esforços, pois o desafio agora era maior, pois o cancro tem um inseto, o minador dos citros, que vias de regra é um facilitador de entrada por causar ferimentos nas plantas, mas o "greening" possuía um inseto que é vetor e com asas, o psilídeo Diaphorina citri, o qual contribui para o espalhamento da praga a longas distâncias e, por isso a situação era mais dramática.
Eram duas grandes frentes de trabalho, uma no noroeste paulista, onde estavam as maiores contaminações por cancro cítrico e outra na região central do Estado, onde o "greening" surgiu e crescia de forma exponencial. Além da divisão de esforços, o custo social do processo de erradicação e uma legislação mais restritiva em São Paulo levantou muita insatisfação no meio rural.
Muitas adversidades ocorreram nesse período, como sabotagem de carros, não cumprimento de notificações para inspeções e agressões contra funcionários da CDA. Além disso, os citricultores buscaram ao longo dos anos sensibilizar parte da classe política que para que o controle da doença fosse modificado. Bem como otimizar o processo de educação sanitária, junto aos produtores.
Em 2009, o controle oficial para o cancro cítrico voltou a adotar exclusivamente o raio de 30 metros de destruição, não havendo mais a eliminação de talhões com mais de 0,5% plantas contaminadas. Apesar das críticas de vários setores técnicos na época, talhões com altos índices da doença ainda eram totalmente erradicados, em função da sobreposição dos raios de destruição a partir de plantas contaminadas.
Foi neste momento também que o convênio entre a Fundecitrus, Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) deixou de existir. Consequentemente, este convênio, que havia sido expandido para atuar também em ações de combate ao "greening", também cessou.
As interações entre esses entes no controle do cancro cítrico continuaram a existir, porém não nos mesmos moldes de antes. Nos anos seguintes as regras foram mudando de acordo com a progressão da doença no Estado, passando em 2013 para eliminação da planta sintomática e da pulverização, daquelas assintomáticas situadas dentro do raio de 30 metros, com calda cúprica, o que se caracteriza como estratégia hibrida, ou seja, erradicação e proteção química.
Em 2016 o MAPA reformou a base legal do cancro cítrico no país, vigente desde a década de 1990 e abriu a possibilidade para os Estados, onde a praga era presente, aderirem ao Sistema de Mitigação de Risco (SMR), onde a estratégia híbrida de controle cultural e controle químico, quando suficientes para o controle da praga podem embasar os processos de certificação que visam, tanto o comércio interestadual, quanto àquele para países que reconheçam o SMR como medida oficial de controle para o cancro.
O Estado de São Paulo foi reconhecido pelo MAPA nesta estratégia e continuou a exportar seus frutos para outros Estados e para outros países.
Vale lembrar que, para propriedades que não fazem certificação, ou seja, não aderem ao SMR, o citricultor precisa inspecionar seu pomar ao menos 4 (quatro) vezes ao ano, identificar as plantas com cancro cítrico e adotar alguma estratégia de controle, seja erradicação (opcional) ou a pulverização com calda cúprica de todas as plantas cítricas no raio de 30 (trinta) metros a partir da planta diagnosticada contaminada por cancro cítrico.
Outra prática obrigatória é descontaminação de máquinas e ferramentas com solução de hipoclorito de sódio ou solução de cloreto de benzalcônio (amônio quaternário). Hoje vê-se a entrada em campo da terceira geração de citricultores e profissionais de apoio (vendedores de insumos, Engenheiros Agrônomos, pesquisadores). Enquanto a primeira geração basicamente tinha como preocupação o complexo de ácaros e algumas poucas doenças de interesse secundário, a segunda geração viu um complexo de pragas e doenças adentrar as fronteiras do Estado que colocou em xeque o parque citrícola de São Paulo.
A terceira geração que começa a assumir as propriedades e trabalhar na cadeia, precisa olhar para o passado e tomar lições para manter o Estado como líder na citricultura mundial. Em relação ao cancro cítrico na fase pós-erradicação é necessário construir todo um complexo de medidas e integrá-las em um programa de manejo contínuo, seja com ou sem processos de certificação de frutos. É pouco provável a volta da erradicação como medida oficial de controle, porém devido à característica da doença (disseminação lenta) é pouco provável também que deixe de ser uma PQP nas próximas décadas.
Por Luciano Melo e Maurício Rotundo