Facebook Twitter Youtube Flickr

Disseminação de pragas do ponto de vista da Defesa Agropecuária

Postado em 27/02/2023 às 13h35 | Por Assessoria de Comunicação CDA

Entenda como é a dinâmica legal em torno das pragas PQA, PQP e as que possuem legislações específicas

MG e DF adotam vazio sanitário em Feijão para diminuir a população de mosca branca

Quando um país possui cadeias produtivas de vegetais de grande importância, onde se produzem alimentos, subprodutos, fibras e energia, é normal que os governos de seus países as protejam. Nos anos 2000 o Brasil, por exemplo, recorreu a OMC (Organização Mundial do Comércio) contra subvenções que o governo dos Estados Unidos dava a seus cotonicultores. Recentemente, vimos o governo brasileiro em tratativas comerciais com Russos e outros fornecedores de fertilizantes pelo mundo para garantir o fornecimento destes sais essenciais à agricultura tropical, que teve sua cadeia de comercialização corrompida pela guerra Rússia x Ucrânia.

Do ponto de vista das pragas, doenças e plantas daninhas, o foco é semelhante. Com a globalização do comércio e popularização das viagens de turismo e negócios nas últimas décadas, a possível introdução de organismos exóticos, que quando encontram hospedeiros e fatores favoráveis a seu estabelecimento, coloca em risco constante as principais culturas agrícolas do Brasil. A introdução de uma praga atualmente não é vista mais como algo que limita a produção agrícola, ao contrário de acontecimentos vistos no passado como, por exemplo, a grande fome na Irlanda, ocorrida devido à introdução do patógeno Phytophthora infestans na cultura da batata no final do século 19 e o duro golpe da introdução do bicudo do algodoeiro no Brasil na década de 80, que entre outros fatores, diminuiu a importância da fibra a quase nada em nossa economia. Pragas, hoje introduzidas, têm contra resposta imediata das indústrias de insumos e da robusta pesquisa agropecuária nacional, quando necessário. Se não fosse isso, a ferrugem asiática teria inviabilizado a soja em nosso país, tamanha sua agressividade inicial e capacidade de disseminação.

Em edições anteriores do Informativo Defesa AgroSP, compreendemos melhor o que são as pragas PQA (Pragas Quarentenárias Ausentes) e PQP (Pragas Quarentenárias Presentes). Para fechar esse arco, buscou-se mostrar como uma praga ganha o status de PQA, como perde o status de PQP e, contextualizando o ditado popular, quem foi rainha nunca perde a majestade, serão citadas pragas que mesmo sem status fitossanitário definido ainda mantém programas oficiais de controle. Tudo começa com a denominada Análise de Risco de Pragas (ARP) (2004, NIMF nº11. FAO). Com vistas a afastar barreiras comerciais que poderiam ser justificadas pelo risco fitossanitário, utiliza-se de um protocolo que objetiva, de acordo com a NIMF 11, para uma área especificada, identificar as pragas e/ou vias de ingresso de interesse quarentenário e avaliar o seu risco, identificar áreas em perigo e, se apropriado, identificar opções de manejo de risco. Em suma, dividida em fases, a ARP fornece fundamentos para as medidas fitossanitárias para uma área específica, avaliando evidências científicas para determinar se um organismo é uma praga. Caso o seja, a análise avalia a probabilidade de introdução e disseminação da praga e a magnitude das consequências econômicas potenciais em uma área definida, por meio de evidências biológicas, científicas e econômicas. Se o risco é considerado inaceitável, a análise pode continuar com a sugestão de opções de manejo que possam reduzir o risco a um nível aceitável. Subsequentemente, opções de manejo de risco de pragas podem ser utilizadas para o estabelecimento de regulamentações fitossanitárias (2007, NIMF nº 2. FAO).

Diante da ARP, uma praga, dita agora quarentenária, pode obter o status de PQA (vide Defesa AgroSP nº 10). A lista de PQA no Brasil é publicada pelo Ministério da Agricultura e Abastecimento (MAPA), pois cabe a ele a visão internacional de monitorar pragas que não existem no Brasil, mas que existem em outros países, causando danos econômicos em culturas que também existem aqui. Com isso, o próprio MAPA já analisa a necessidade de criar um plano de contingência e ou criar simulados de emergência. Por outro lado, estimula pesquisadores a buscar o conhecimento sobre a praga e a indústria química a selecionar e engatilhar o registro emergencial de agrotóxicos já com eficiência comprovada em outros países.

Simulado contra Fusarium raça 4 ocorrido em 2019 em Santa Catarina

O risco inerente à introdução de uma PQA considera a sua capacidade de ultrapassar barreiras naturais como os oceanos, cordilheiras e a própria Vigilância Agropecuária Internacional (VIGIAGRO). Há situações que o primeiro registro da praga não é oficial, como aconteceu cerca de 20 anos com a Neonectria ditíssima, causadora da doença cancro europeu das pomáceas no Rio Grande do Sul, descoberto em meio a uma consultoria. Atualmente esta doença possui o programa nacional de prevenção e controle do cancro europeu (PNCE), sendo o fungo causador uma PQP (vide Defesa AgroSP nº 14) e está restrita aos estados do Sul. Porém, se já houver um plano de contingência traçado, inicia-se monitoramentos, treinamentos, simulados de emergência e divulgação para a cadeia produtiva, algo hoje que estamos assistindo para o Fusarium raça 4 que ainda é PQA, porém já presente na América Latina e a mosca da carambola, que é PQP, restrita ao norte do país sob forte contingência dos OEDSV (Órgãos Estaduais de Defesa Sanitária Vegetal) e do MAPA.   

As estratégias iniciais que se propõem a evitar a disseminação da praga no território voltam-se agora para ações de interdição (propriedades ou municípios) e de erradicação. São desenvolvidas estratégias de monitoramento, restrições de trânsito e fiscalizações. Exemplifica-se a ocorrência do cancro bacteriano da videira, causado pela Xanthomonas campestris pv. viticola, delimitado em estados do nordeste e no norte do país, quais algumas das medidas são direcionadas para erradicação do foco, quando observada a detecção da praga em municípios sem ocorrência. No ano de 2009, sintomas do cancro bacteriano da videira foram observados em parreirais paulistas. A adoção de estratégias de erradicação permitiu que o Estado de São Paulo permanecesse com o status de Unidade da Federação (UF) sem ocorrência da praga (2011, Neto et. al. Tropical Plant Pathology).

Na citricultura, as doenças do Cancro Cítrico (vide Defesa AgroSP nº 16) e do Greening, apesar de não amplamente disseminadas no país, são presentes nos principais cinturões citrícolas. As bases legais criadas no controle destas pragas evoluíram na medida que elas se espalhavam e conforme a pesquisa foi criando novas perspectivas de manejo. Isso possibilitou avanços substanciais no entendimento da dinâmica das pragas, o que culminou na adoção de outras estratégias que mantém a cultura sustentável, mesmo como a presença destas bactérias, sem renunciar à proteção das regiões sem ocorrência. Pode ser citado o Sistema de Mitigação de Risco (SMR) para o cancro cítrico ou a norma que cuida do controle do Greening, onde a estratégia de erradicação de plantas se torna obrigatória para plantas até 8 (oito) anos de idade, porém determina o monitoramento e o controle do vetor da bactéria durante toda a vida do pomar. Desta forma o SMR e legislações hibridas são um meio termo, em cenários onde a erradicação do ponto de vista técnico e social não é mais viável. Em geral se adota em situações onde a disseminação da praga é lenta.

A partir do momento em que já se encontra amplamente disseminada e presente em todas as regiões produtoras, a praga deixa de ser uma PQP e geralmente seu controle passa a ser realizado durante a própria condução da cultura hospedeira, ou seja se torna uma praga comum, como por exemplo a broca do café, introduzida em 1913 e hoje presente em todas as regiões produtoras. A seguir exemplos mais recentes; com a Instrução Normativa (IN), da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), do MAPA, nº 38 de 14/10/1999, a mosca-negra-dos-citros, Aleurocanthus woglumi, era regulamentada como PQA para o Brasil. Após sua introdução no país, no ano de 2001 (IN SDA MAPA nº 51, de 08/10/2001), a praga teve seu status alterado para PQP (IN MAPA 52, de 20/11/2007), mas o considerável número de hospedeiros comerciais (citros, manga, goiaba, ornamentais entre outros) permitiu sua ampla disseminação. Após seu primeiro registro em 2001 no estado do PA, seguiu-se sua detecção no MA (2003), no AM (2004), no AP (2006), no TO (2007), em SP e GO (2008), na PB (2009), no RN, BA, RJ, PI, CE e MG (2010);  em RR, PE, PR e ES (2011); em RO e MT (2012), no MS (2013), no SE e AL (2014); e em SC (2019). Sua presença também é registrada no DF (2021, Santos. J. R.. UnB). Em 2014, A. woglumi foi excluída da lista de PQP (IN MAPA nº 42, de 09/12/2014). Como consequência, culturas como mamão e manga em São Paulo, fugiram à regra de certificação, deixando de precisar de PTV (Permissão de Transito Vegetal) para o trânsito entre UF. Caso semelhante ocorreu com a praga Puccinia kuehnii, causadora da ferrugem alaranjada da cana-de-açúcar. Detectada no Brasil, na Região de Araraquara (SP), no ano de 2009, até então era considerada uma PQA para o Brasil (IN MAPA nº 41, de 01/07/2008). A previsão do risco de introdução desta praga preparou a pesquisa para o desenvolvimento de variedades que possibilitassem o cultivo de cana-de-açúcar de forma sustentável, mesmo com a presença da praga. Em 2013 ela foi excluída da lista de PQA (IN MAPA nº 59, de 18/12/2013), sem se tornar uma PQP.

Outras pragas podem ter regulamentações específicas, quando considerado o risco fitossanitário associado à cultura na safra e o seu potencial em prejudicar safras posteriores, tanto pelo incremento de inóculo na área, quanto por minimizar a ação das medidas de controle químico adotadas ou inviabilizar o próprio cultivo. Estas regulamentações podem ser coordenadas pela união, como é o caso do Programa Nacional de Controle da Ferrugem Asiática da Soja (Portaria SDA MAPA nº 306, de 13/05/2021) e do Programa Nacional de Controle do Bicudo do Algodoeiro (IN MAPA nº 44, de 29/07/2008). Podem ser também estabelecidas em cada UF a critério do OEDSV. Com exemplos temos o roguing em mamão no Espírito Santo (identificar e eliminar plantas infectadas pelos vírus da meleira e do mosaico ou mancha anelar), e os vazios sanitários do maracujá (vírus do endurecimento do fruto) em SC e do vazio sanitário do feijão no DF e MG (mosca branca e vírus mosaico dourado). As estratégias de vazio sanitário são atreladas a cadastro obrigatório da cultura, calendário de semeadura oficial e autorizações especiais para cultivo de sementes e pesquisa agronômica dentro do período legal do vazio.

Pouco estudado nos cursos de agrárias, muitas vezes mal compreendido pelos agricultores e população em geral, procedimentos legislativos de exclusão e restrição de disseminação de pragas, sempre devem vir à frente de outras estratégias de controle. Apesar da tecnologia viabilizar produção em situações hostis, a elevação dos custos de produção é fator que corrobora para que uma região ou país perca sua aptidão, considerando que outros estados ou países podem produzir e vender mais barato se tiverem menos pragas para controlar. Nossa missão, portanto é proporcionar sempre melhores condições de produção para o agricultor paulista, e não proporcionar oportunidades para terceiros.

Por Luciano Melo e Maurício Rotundo

x